terça-feira, 14 de novembro de 2017

O vale e a preservação do patrimônio

Através de uma pesquisa prévia sobre o Vale histórico do Paraíba para o estudo do meio, observamos que seu patrimônio material é altamente preservado, essa constatação nos levantou uma dúvida de como a conservação se procedeu. A nossa primeira dúvida: provavelmente foi tombado, como será que foi esse processo? Como cidades que não possuem muito dinamismo econômico conseguiram preservar tão bem grande parte de seu patrimônio? Quais seriam as implicações de um possível tombamento no cotidiano dos moradores? Como conseguiriam sustentar essa preservação, haja vista uma série de dificuldades que isso traz, principalmente para uma população de mais baixa renda?
Essas foram as indagações que nos orientaram no estudo do meio, onde pretendíamos realizar entrevistas com os moradores e perguntar sobre as implicações do tombamento, o que achavam, como foi o processo, se tiveram impactos mais negativos ou positivos, entre outros.
Ao chegar no Vale histórico e interrogarmos alguns moradores acerca da preservação, soubemos que as cidades, apesar de reconhecidas como importante patrimônio histórico, não haviam sido tombadas, salvo algumas fazendas. A única norma de preservação de competência governamental era a Lei das Fachadas - Lei Complementar nº 1.66 de 2012, que é recente.

Então como foi possível a grande preservação do ambiente construído de uma cidade habitada, com pouco apoio e intervenção governamental?

Casa com fachada preservada e à venda - Bananal/SP
A Lei das Fachadas consiste na preservação apenas das fachadas das casas - sendo requisitado sua manutenção de acordo com a forma original - isso traz algumas questões, visto que, grande parte do patrimônio sob essa lei está em propriedades particulares; é necessário que se algo quebre, ou se desfaça com o tempo, seja reposto de acordo com a forma original e com o mesmo material, sendo de responsabilidade do próprio proprietário a manutenção do patrimônio. Isso gera custos e impede intervenções individuais.

Ao questionarmos alguns comerciantes e moradores, as respostas se dividiram em algumas dificuldades que isso gera e ao mesmo tempo do reconhecimento da importância da preservação, visto que uma das tentativas de dinamização da economia é o turismo.
Se pegarmos alguns exemplos de patrimônio histórico na própria cidade de São Paulo, observamos dificuldades e conflitos que isso gera com a população - principalmente pela forma como é implementada algumas leis de preservação, e que tem pouca ou nenhuma eficácia dentro de uma realidade de um lugar habitado em constante dinamismo, como é o caso de uma vila operária em São Paulo por exemplo, a Vila Maria Zélia, na região do Belenzinho, zona leste - a qual trata-se de uma vila histórica do século 19, tombada no início da década de 80, sem diálogo com a população ou auxílio para a preservação - o que resultou na praticamente completa descaracterização do local.

No entanto, as cidades do Vale do Paraíba, mesmo não sendo tombadas e com apenas uma lei recente de preservação, resistiram e muito ao tempo que se passou, e permanecem em grande parte preservadas.

Solar Aguiar Valim - Parte da fachada - Bananal/SP
Como? Mesmo se levantarmos sobre a questão do turismo, isso não seria suficiente, pois essa atividade econômica, se não for bem implementada, pode gerar diversos impactos e a consequente descaracterização. E, conforme as entrevistas realizadas, mesmo o turismo sendo uma grande meta para a economia da cidade, ainda é pouco dinâmico na região.

Permanece a questão que nos guiou durante todo o estudo do meio - então como permanecem preservadas?

Não é possível tecer certezas com apenas um estudo do meio, mas levantamos algumas considerações acerca do tema, a partir de levantamentos bibliográficos e a pesquisa empírica.

Para sanar algumas questões, tomamos como referência a tese de doutorado de uma professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Rosana Miranda, que defendeu a tese intitulada “Mooca: Lugar de fazer casa”.
Esta leitura foi essencial para compreendermos algumas nuances acerca da preservação que vão muito além da prática apenas institucional.
Em sua pesquisa, a autora defende que a preservação do patrimônio histórico do local se deu, principalmente, pela pobreza do local durante muito tempo, por não ser uma fração da cidade atrativa ao capital, “relegada” à moradia de pessoas mais pobres, fora do circuito de valorização urbana - e isso pôde, durante um bom tempo, manter o patrimônio histórico do local - ainda que deteriorado.

Podemos trazer essa perspectiva de forma profícua à realidade do Vale Histórico do Paraíba - inclusive até apelidada, mesmo com controvérsias, de “Cidades Mortas” - Isto é, a falta de dinamismo econômico na região, pouco atrativa para o capitalismo e com poucas atividades econômicas, de certa forma, “livrou” seu patrimônio de maiores impactos que poderiam ser produzidos por um maior dinamismo econômico, a despeito do respaldo institucional acerca da preservação.
O “esquecimento” de um local pelo capitalismo e a pobreza resultante, nos revela um elemento de preservação do patrimônio. Isso porque, além de não haver atividades que geram mais impactos, que exigem transformações do território para a fluidez do capital, também tem o fator de haver menos geração de renda para a própria população, que eventualmente poderia realizar obras em suas propriedades, descaracterizando o modelo original, como aconteceu na Vila Maria Zélia em São Paulo, por exemplo.
A responsabilidade pelo tombamento no estado de São Paulo é do CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo)





Nenhum comentário:

Postar um comentário